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ARTIGO: Quem são os pobres?!

Também a Igreja, no contexto atual de pandemia, é chamada a voltar seu olhar aos grupos menos favorecidos: os desempregados, os enfermos, os moradores de rua.

12/07/2021

Em Israel, os mais pobres eram designados pela trilogia: estrangeiro, órfão e a viúva. Com essas três categorias, a Bíblia designa os excluídos daquele tempo. Essa tríade é mencionada inúmeras vezes. “Maldito aquele que perverter o direito do estrangeiro, do órfão e da viúva” (Dt 24,21; Ex 22,22; Sl 94,6; 146,9; Dt 10,18; 24,17; Ez 22,7; Is 1,17; 10,2; Jr 7,6; Zc 7,10, Tg 1,27).

Os códigos de leis do Antigo Oriente expressavam a necessidade de cuidar dos mais vulneráveis. Um dos mais antigos, o Código Babilônico de Hamurabi (1770 a.C), apresentava o rei como protetor da viúva e do órfão. Na Bíblia, é o próprio Deus que não aceita injustiça contra esses.

No livro de Deuteronômio, esses grupos são formados por pessoas sem-terra, e por isso são consideradas fracas e legalmente dependentes. Numa sociedade predominantemente agrícola, não ter a posse da terra, sem dúvida, era estar privado de condições de uma vida digna. Porém, as leis de solidariedade eram tantas, que esses grupos não são tidos como pobres no livro de Deuteronômio.

Segundo o estudioso da Bíblia, Norbert Lohfink, os termos hebraicos “Ebion” e “Any”, amplamente usados para se referir ao pobre, não se aplicam a tríade: estrangeiro, órfão e viúva. Segundo ele, esses três grupos de pessoas sem-terra não são designados como pobres, porque se a lei fosse cumprida, estes não ficariam na pobreza e nem na exclusão. As leis foram pensadas para que Israel se tornasse uma sociedade solidária e capaz de partilhar, sem pobres e excluídos.

No livro do Deuteronômio, encontramos, além dos mandamentos, um conjunto de quatorze leis que tinham por objetivo, a proteção do povo, em especial, a tríade: estrangeiro, órfão e viúva. Essas, eram por si só, a prática da justiça em Israel, em defesa dos mais vulneráveis. Algumas dessas leis são: a) O benefício do repouso sabático para todos, inclusive o estrangeiro (cf. Dt 5,14); b) O benefício do dízimo que deveria ser partilhado com os pobres (cf. Dt 12,18); c) O benefício da respiga, segundo a qual os frutos verdes das uvas e oliveiras, na colheita, deveriam ser deixados como alimentos aos necessitados (cf. Dt 24,20-21).

Não obstante, em diferentes contextos políticos, as classes vulneráveis sofreram opressão e não tiveram seus direitos garantidos. Por isso, muitas vezes profetas como Zacarias, Isaías, Jeremias, Ezequiel, Miquéias, entre outros, levantaram a voz em defesa dos pobres. “Não oprimais a viúva nem o órfão, nem o estrangeiro, nem o pobre, e não trameis em vossos corações maus desígnios uns contra os outros” (Zc 7,10).

Na mesma linha profética, devemos entender a crítica de Jesus aos fariseus. “Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Devorai as casas das viúvas, fingindo fazer longas orações” (Mt 23,14a). É de suma importância o texto da carta de São Tiago, o qual define a veracidade da religião, a partir do cuidado com os menos favorecidos: “A religião pura e sem mácula aos olhos de Deus nosso Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições” (Tg 1,27a).

Também a Igreja, no contexto atual de pandemia, é chamada a voltar seu olhar aos grupos menos favorecidos: os desempregados, os enfermos, os moradores de rua. E se realmente quisermos manter a pureza da nossa religião, devemos cuidar dos vulneráveis do nosso tempo.

Por: Padre Gilson José Dembinski

Parapsicólogo, pós-graduado em Bíblia, Ensino Religioso e Psicologia Pastoral

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